Sumário: 1. Introíto; 2. Contratos Mercantis; 3. Compra e
Venda Mercantil; 4. Contratos de Colaboração; 5. Contratos Bancários; 6.
Contratos Intelectuais; 7. Seguro; Conclusão.
Resumo: Diante da complexidade de relações empresariais,
especialmente na contemporaneidade, a qual convive com um mundo globalizado, o
presente artigo faz uma exposição crítica dos principais contratos mercantis,
sua evolução histórica e conceituações necessárias.
1.
INTRÓITO
Com
a evolução das relações mercantis, surgiu a necessidade de se realizar
contratos, como via de garantir, se não a efetivação de suas disposições de
modo direto, ao menos a possibilidade de sua cobrança.
Fábio
Ulhoa Coelho[1] leciona
que na “exploração da atividade empresarial, a que se dedica, o empresário
individual ou a sociedade empresária celebram vários contratos. Pode-se dizer
que combinar os fatores de produção é contrair e executar obrigações nascidas
principalmente de contratos”.
Partindo
dessa análise, pode-se perceber que os contratos, de certo modo, viabilizam as
relações empresariais, uma vez que, através de um negócio jurídico estabelecido
entre sujeitos capazes, ter-se-á elementos básicos para a produção de bens e
serviços, desenvolvendo-se, por conseguinte, o que os economistas chamam de
recursos ou fatores de produção[2].
Assim,
pode-se traçar linhas perpendiculares, em que relações mercantis e fatores de
produção (capital, trabalho, insumos e tecnologia) se unem no ponto em que são
desenvolvidos seus contratos, verbi gratia[3]:
“(...)
o capital pressupõe a celebração de contrato bancário, pelo menos o de
depósito. Para obter insumos, é necessário contratar a aquisição de
matéria-prima, eletricidade ou mercadorias para revender. Articular na empresa
o trabalho significa contratar empregados (CLT), prestadores de serviços
autônomos ou empresa de fornecimento de mão-de-obra (terceirizada). A aquisição
ou criação de tecnologia faz-se por contratos industriais (licença ou cessão de
patente, transferência de know-how). Além desses, para
organizar o estabelecimento, por vezes o empresário loca o imóvel, faz leasing de
veículos e equipamentos, acautela-se com seguro. Ao oferecer os bens ou
serviços que produz ou circula, ele igualmente celebra contratos com
consumidores ou outros empresários. Ao conceder crédito, normalmente negocia-o
com bancos, mediante descontos ou factoring”.
Nesse
diapasão, podem-se visualizar os contratos mercantis que a seguir serão
destrinchados, quais sejam: Contratos de Compra e Venda Mercantil, de
Colaboração, Bancários, Intelectuais e de Seguro.
2.
CONTRATOS MERCANTIS
Dependendo
dos sujeitos que celebrarem o negócio jurídico, estes podem assumir contornos
de natureza jurídica administrativa, trabalhista, consumeirista ou cível, assim[4]:
“Se
o empresário contrata com o Poder Público ou concessionária de serviço público,
o contrato éadministrativo (por exemplo, se o fabricante de móveis
vence licitação promovida por Prefeitura, para substituir o mobiliário de uma
repartição, o contrato que vier a assinar será desta espécie). Se o outro
contratante é empregado, na acepção legal do termo (CLT, art. 3º.), o contrato
é do trabalho. Se consumidor (ou empresário em situação
análoga à de consumidor), a relação contratual está sujeita ao Código de Defesa
do Consumidor. Nas demais hipóteses, o contrato é cível, e
está regido pelo Código Civil ou por legislação especial.”
Quanto
aos contratos mercantis, os sujeitos serão empresários, atingindo uma natureza
hibrida entre os contratos cíveis e os provenientes das relações de consumo,
que é distinguida por Ulhoa Coelho[5] da
seguinte forma:
“Se
os empresários são iguais, sob o ponto de vista de sua condição econômica (quer
dizer, ambos podem contratar advogados e outros profissionais antes de
assinarem o instrumento contratual, de forma que, ao fazê-lo, estão plenamente
informados sobre a extensão dos direitos e obrigações contratados), o contrato
é cível; se desiguais (ou seja, um deles está em situação de vulnerabilidade
econômica frente ao outro), o contrato será regido pelo CDC.
Quando
o banco contrata com a construtora a edificação de sua sede, o contrato é
mercantil cível, porque ambos os empresários negociam em pé de igualdade. Mas,
quando o mesmo banco concede empréstimo a microempresário, o contrato mercantil
está sujeito à legislação consumerista, já que este último se encontra em
situação análoga à de consumidor.
O
mais adequado seria uma reforma legislativa que disciplinasse especificamente
os contratos mercantis (entre empresários), classificando-os de acordo com as
condições dos contratantes (iguais e desiguais) e reservando a cada tipo
disciplina compatível com a tutela dos interesses objeto de contrato.
Enquanto
esta reforma não se realiza, aplica-se o Código Civil (ou legislação especial)
aos contratos mercantis cíveis e o Código de Defesa do Consumidor aos mercantis
sujeitos a este regime.”
Desse
modo, a natureza jurídica dos contratos mercantis se delimitará face as
condições de seus contratantes, no que tange a (des)igualdade material entre os
mesmos.
2.1.
Contratos e Obrigações
Para
se entender a relação proveniente dos contratos e suas obrigações, há quem diga
que aqueles são fontes dessas, entretanto, pode-se perceber que o
“contrato é uma das modalidades de obrigação, ou seja, uma espécie de vínculo
entre as pessoas, em virtude do qual são exigíveis prestações”, entretanto a
“obrigação é a consequência que o direito posto atribui a um determinado fato”[6].
Assim,
os atos jurídicos podem advir de um dispositivo legal a ser observado,
previamente definido pela mens legislatores, ou do exercício do
direito de autonomia da vontade, pelos sujeitos da relação jurídica,
configurando-se um negócio jurídico, onde se visualizam as relações
contratuais.
2.2.
Constituição do Vínculo Contratual
A
doutrina identifica dois princípios que regem as relações contratuais, em seu
momento de constituição de vínculo, quais sejam, o do consensualismo,
imortalizado pela máxima pacta sunt servanda, e o da
relatividade, ou rebus sic stantibus.
No
que tange ao princípio do consensualismo, a constituição do vínculo contratual
se estabelece no instante em que, consensualmente, as partes expressam sua
vontade, salvo nos casos em que apenas tal manifestação não é suficiente, como
naqueles em que a lei exige que o negócio jurídico, para produzir seus efeitos,
se revista de determinadas formalidades, o que não acontece, em regra, com os
contratos mercantis. Nesse sentido, insta observar a lição de Ulhoa Coelho:
“Pelo
princípio do consensualismo, um contrato se constitui, via de regra, pelo
encontro das vontades manifestadas pelas partes, não sendo necessária mais
nenhuma outra condição. Há, no entanto, algumas exceções a este primado, isto
é, determinados tipos de contrato que exigem, para a sua formação, além da
convergência da vontade das partes, também algum outro elemento. [...]
Os
contratos mercantis, em suma, podem ser consensuais ou reais. Assim, em termos
gerais os contratos entre empresários estão constituídos (perfeitos e acabados)
assim que se verifica o encontro de vontade das pessoas participantes do vínculo.”
E
quanto a relatividade, o ilustre autor continua:
“Pelo
princípio da relatividade, o contrato gera efeitos apenas entre as partes por
ele vinculadas, não criando, em regra, direitos ou deveres para pessoas
estranhas à relação. Aqui também há algumas exceções, como o seguro de vida ou
a estipulação em favor de terceiro, que são contratos constitutivos de crédito
em benefício de pessoa não participante do acordo. [...]
É
o que propõe a teoria da aparência, segundo a qual uma situação aparente pode gerar
obrigações para terceiros quando o contratante, de boa-fé, tinha razões
efetivas para tomá-la por real. Esta teoria é mais comumente aplicada nas
hipóteses de excesso de mandato, continuação de fato de mandato findo,
inobservância de diretrizes do representado pelo representante etc. Orlando
Gomes admite, até, a responsabilização do empresário por atos praticados por
falso representante, quando a aparência de direito poderia enganar um
contratante médio.
Quando
o contrato se insere no âmbito da tutela do consumidor, o princípio da
relatividade também tem a sua pertinência ressalvada em alguns casos, pois se
admite a reclamação contra o fabricante do produto viciado, embora a relação
contratual de compra e venda tenha se estabelecido na verdade entre o consumidor
e um comerciante.”
Uma
vez estabelecido tal vínculo entre as partes contratantes, verifica-se a
assunção das obrigações ali materializadas, trazendo-se à tutela do mundo
jurídico, eventual descumprimento, já que se encontra configurada a imperatividade
do brocardo latino pacta sunt servanda, o qual enfatiza que as
cláusulas e pactos contidos nessa manifestação da autonomia da vontade, que são
os contratos, se configuram num direito entre as partes, e o não-cumprimento
das respectivas obrigações implica a quebra do que foi pactuado.
Entrementes,
a despeito da natureza dos contratos ser de um instrumento de direitos e
obrigações, as quais, uma vez assumidas, devem ser cumpridas pelas partes, não
podendo ser, em regra, alterado ou extinto unilateralmente, existem situações[7] que
irão relativizar tal máxima, em virtude de outra cláusula geral que envolve os
contratos atualmente, id est, a cláusula rebus sic
stantibus. Por essa, é possível a revisão das disposições pactuadas,
quando se observar situações imprevisíveis, alterando as condições contratuais
de sobremaneira, independente da vontade das partes, que o cumprimento se
transformaria em algo impossível e excessivamente oneroso pelo contratante
obrigado, e, em contrapartida, num enriquecimento ilícito da parte beneficiada pelas
alterações no cenário econômico[8].
Por
fim, no tocante à obrigatoriedade no cumprimento dos contratos, ensejando a
possibilidade de se acionar a intervenção jurisdicional, é necessário mencionar
“que os contratos bilaterais contêm, implícita, a cláusula daexceptio non
adimpleti contractas, pela qual uma parte não pode exigir o
cumprimento do contrato pela outra, se estiver em mora em relação à sua própria
prestação”[9].
Assim, pode-se exigir, por meio da exceção do contrato não cumprido, que a
tutela jurisdicional reverta-se no sentido de garantir a prestação inicial,
para aí se realizar o cumprimento da contraprestação avençada.
2.3.
Desconstituição do Vínculo Contratual
O
vínculo contratual pode ser desfeito pelas formas normais que ocasionam o fim
da obrigação assumida, i.e.,com o adimplemento direto daquela,
assim como pela prescrição, em que pela inércia da parte beneficiada e o
decurso do tempo, se infere a renúncia tácita do direito relacionado, como
também pela confusão, em que credor e devedor findam por confundir numa mesma
pessoa, et coetera. Entretanto, a extinção do vínculo
contratual pode se manifestar por meio da invalidação ou pela sua dissolução.
A
invalidação está relacionada a circunstâncias que, ab initio, ocasionaram
a nulidade ou anulabilidade de um negócio jurídico, ou seja, na verificação de
vícios contratuais, tais como, a incapacidade das partes, a ilicitude do
objeto, a forma defesa em lei, erro, dolo, simulação, etc. Aqui os
efeitos se operam ex tunc.
Enquanto
isso, a dissolução refere-se às circunstâncias verificáveis a
posteriori, no que tange ao marco da constituição do vínculo
contratual, ou seja, “a inexecução e a vontade das partes. Na primeira
hipótese, tem-se resolução, e, na segunda, resilição do contrato”[10].
Nesses termos, ensina Lyra Duque:
“(...)
a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende
unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução
culposa ou involuntária do acordado.A resolução opera a finalização do contrato
por descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por
culpa sua, seja por ato estranho à sua vontade (caso fortuito, força maior e
onerosidade excessiva)”[11].
A
resolução, assim como a invalidação, produz efeitos ex tunc, voltando
as partes a situação anterior a constituição do contrato, desse modo, pode-se
pleitear indenização, ou até executar cláusula penal, se houver.
Quanto
a resilição, há uma dissolução do vínculo pela vontade das partes, que em regra
é bilateral, mas pode se apresentar de modo unilateral, através da denúncia,
como no caso da procuração, mandato ad juducia. Ressalte-se, ainda,
o que Coelho[12] traz
a lume, no que tange às consequências e aos efeitos desse tipo de dissolução
contratual:
“Na
resilição bilateral, as consequências serão as contratadas pelas partes, que
têm ampla liberdade para dispor sobre como se dará a composição dos interesses.
Já a resilição unilateral, quando admitida, não opera efeitos retroativos. Às
partes cabe apenas solucionar as eventuais pendências (por exemplo: o mandante
deve pagar as comissões devidas ao mandatário), e, se previsto na cláusula de
arrependimento, pagar a multa.”
Insta,
por fim, mencionar que, a despeito de se utilizar o termo rescisão como
sinônimo de dissolução, há doutrinadores que verificam naquela uma terceira
espécie dessa, observando no art.157 do Código Civil de 2002, um modo de rescisão
contratual por meio de lesão, “quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou
por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao
valor da prestação oposta”[13].
3.
COMPRA E VENDA MERCANTIL
Os
contratos de compra e venda regem-se, em geral, pela regra do art. 481 do
Código Civil (CC/02), dispondo que em tal relação “um dos contratantes se
obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo
preço em dinheiro”.
Assim,
as disposições do Diploma Civilista, no que tange aos negócios obrigacionais de
compra e venda, também atingem os contratos mercantis dessa natureza, os quais
se configuram quando comprador e vendedor são empresários, entretanto, insta
ressaltar o que lembra Coelho:
“Eventualmente,
pode-se configurar, na relação contratual entre empresário-comprador e
empresário-vendedor, uma compra e venda sujeita ao CDC. Será este o caso se o
empresário-comprador for consumidor, na acepção legal do termo (destinatário
final da mercadoria ou serviço oferecido pelo outro — ver Cap. 8, item
3), ou estiver em condição análoga à de consumidor (vulnerável).”
Observe-se,
portanto, que os contratos mercantis de compra e venda reger-se-ão pelas regras
do CC/02 (art. 481 ss.) e pela legislação especial, bem como pelo
Código de Defesa do Consumidor, quando se verificar a existência de relação de
consumo ou hipossuficiência entre os empresários contratantes.
Tais
contratos são a base das atividades empresariais, uma vez que os atos de
comprar e vender se constituem no sentido máximo dessas relações, visando a
obtenção do lucro e a retroalimentação do sistema econômico.
3.1.
Formação do Contrato de Compra e Venda Mercantil
Os
requisitos essenciais para a formação dos contratos de compra e venda mercantis
são o consentimento das partes, a coisa e o preço.
No
tocante ao consentimento, ressalte-se que, como os negócios jurídicos de compra
e venda em geral, há a necessidade da comunhão de vontades entre comprador e
vendedor para que se constitua o vínculo contratual, conforme anteriormente
expresso.
Entretanto,
para o aperfeiçoamento e a obrigatoriedade do contrato é necessário que se
especifique o seu objeto e o preço, conforme reza o art. 485, CC/02, sendo que
o primeiro deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, não podendo
ser estabelecido como tal um bem considerado fora do comércio, enquanto o
segundo deve ser fixado por ambas as partes, do contrário tal contrato
será considerado nulo, em moeda nacional, ressalvadas as operações de
importação e exportação, não sendo admissível a contratação de pagamento em
bens, pois se configuraria contrato de troca.
3.2.
Responsabilidade das Partes
Os
contratos de compra e venda mercantil geram obrigações recíprocas entre as
partes contratantes. Para o vendedor, observa-se o dever de entregar o bem,
transferindo-se o domínio do objeto avençado, e para o comprador, o de pagar o
preço pela coisa adquirida.
Ressalte-se,
ainda, que o vendedor tem responsabilidade pelos vícios redibitórios e pela
evicção que envolver o bem, objeto do negócio jurídico, entendo-se que[14]:
“O
primeiro se verifica quando o bem entregue não corresponde às especificações
acordadas entre as partes, no sentido de se revelar impróprio ao uso a que se
destina ou de reduzido valor. Por evicção se entende o dever de defender em
juízo a venda perante terceiros reivindicantes da coisa objeto do contrato. Tal
dever inexiste se o comprador tinha ciência da reivindicação e assumira o risco
correspondente.”
Se
o comprador não paga o preço acordado no contrato, responde pelo valor devido,
acrescido das perdas e danos ou da pena compensatória e demais encargos
assumidos. Entretanto, se é o devedor o sujeito inadimplente da relação, não
cumprindo o seu dever de entregar a coisa, o comprador poderá optar pela
resolução do contrato, ou pela execução específica da obrigação, mediante seu
cumprimento, cabendo, em ambos os casos, pagamento de indenização por perdas e
danos[15] (art.
475, CC/02).
As
despesas pela escrituração ficam a cargo do comprador, e as decorrentes da
tradição, ficam a cargo do vendedor, salvo estipulação contratual diversa.
Assim, deverá o vendedor arcar com as despesas e riscos decorrentes do
transporte e da entrega do bem, enquanto o comprador com aquelas provenientes
da transferência de domínio na esfera legal.
3.3.
Especificidade da Compra e Venda Mercantil
Nas
relações de compra e venda civil, estando o comprador em situação de
insolvência, o vendedor pode exigir uma caução, para só assim proceder à
entrega do objeto avençado, conforme disposição do art. 495, do CC/02.
Entretanto,
observando-se que as circunstâncias que envolvem uma relação de compra e venda
mercantil atingem proporções maiores e, consequentemente, de interesse de uma
coletividade, o vendedor, uma vez verificada situação de falência do comprador,
ou de insolvência (quando esse não é empresário ou sociedade empresária), não
pode simplesmente condicionar a entrega da coisa vendida à prestação de uma
caução, já que tal relação, visando proteger a atividade econômica, é regida
por lei específica, qual seja a Lei de Falências.
4.
CONTRATOS DE COLABORAÇÃO
Os
contratos de colaboração, assim como os de compra e venda mercantil, têm sido
desenvolvidos pelo comércio com vistas ao fornecimento de bens ao mercado
consumidor, sejam eles empresários ou não.
Nesses
termos, Ulhoa[16] identifica,
como contratos de colaboração, a comissão, a representação comercial, a
concessão mercantil, a franquia e a distribuição, definindo-os como:
“(...)
uma obrigação particular, que um dos contratantes (“colaborador”) assume, em
relação aos produtos ou serviços do outro (“fornecedor”), a de criação
ou ampliação de mercado. Em termos concretos, o colaborador se obriga a
fazer investimentos em divulgação, propaganda, manutenção de estoques, treinamento
de pessoal e outros destinados a despertar, em consumidores, o hábito de
adquirir os produtos ou serviços do fornecedor.”
Ressalte-se,
assim, que, no contrato de colaboração, o colaborador tem, perante o
fornecedor, a obrigação de criar mercado para a coisa vendida, diferente das
relações de fornecimento verificáveis nos contratos de compra e venda, em que
tal situação não se verifica.
Os
contratos de colaboração não tem caráter pessoal, pois estão relacionados com a
organização da própria atividade de distribuição, do contrário se poderia
configurar um vínculo empregatício, uma vez que há uma relação de subordinação
do distribuidor pelo fornecedor, o qual impõe suas condições e padrões de
exploração da atividade comercial, entretanto nesses contratos a subordinação é
apenas empresarial.
Fabio
Ulhoa Coelho[17] traz
que a colaboração empresarial pode ser de duas espécies, por aproximação ou por
intermediação. Na colaboração por aproximação, “o colaborador não é
intermediário, ou seja, não adquire o produto do fornecedor para revendê-lo.
Apenas identifica quem possa estar interessado em fazê-lo”. Diferentemente da
colaboração por intermediação, na qual “o colaborador celebra com o fornecedor
um contrato de compra e venda; adquire os produtos (ou serviços) para os
revender”, v.g., o concessionário e o franquiado.
4.1.
Comissão
A
comissão mercantil é “o vínculo contratual em que um empresário (comissário) se
obriga a realizar negócios mercantis por conta de outro (comitente), mas em
nome próprio, assumindo, portanto, perante terceiros responsabilidade pessoal
pelos atos praticados”[18],
apesar dos riscos dessa atividade, via de regra, serem assumidos pelo
comitente, assim:
“Trata-se
de contrato normalmente empregado em operações nas quais o comprador ou
vendedor de mercadorias prefere não ser conhecido. Nem sempre convém ao
empresário que se saiba do seu interesse em comprar ou vender certo bem. Há
casos, por exemplo, em que o preço da coisa pode crescer, e muito, quando o
vendedor sabe que o interessado é um grande empresário. [...]
Perante
o comitente, o comissário tem a obrigação de observar as instruções expendidas,
bem como zelar pelos bens a ele confiados, agindo com diligência e lealdade e
prestar contas do movimento econômico do contrato. Perante o terceiro, o
comissário tem todas as obrigações decorrentes do contrato realizado, posto que
inexiste qualquer relação jurídica entre aquele e o comitente.”
Ademais,
o comissário tem direito a uma remuneração pelos seus serviços, denominada
“comissão”, a qual varia de acordo com o valor e natureza do negócio a ser
praticado.
4.2.
Representação Comercial
Nos
contratos de colaboração tem-se a figura da representação comercial, muito
difundida, uma vez que demonstrar ser um meio eficaz e eficiente na divulgação
e venda dos produtos fabricados pelo estabelecimento comercial representado.
Assim,
Coelho define tal contrato como aquele “pelo qual uma das partes (representante
comercial autônomo) se obriga a obter pedidos de compra e venda de mercadorias
fabricadas ou comercializadas pela outra parte (representado)”[19],
a despeito disso o representante comercial não tem poderes para concluir a
negociação em nome do representado, cabendo a este aprovar ou não os pedidos de
compra obtidos pelo representante.
Nessa
espécie de contrato não existe vínculo de emprego entre as partes contratantes,
como nos contratos de comissão acima referidos, tendo a subordinação
estabelecida entre o representante pelo representado um caráter exclusivamente
empresarial. É bem verdade que há momentos em que tal vínculo, se pessoal ou
empresarial, deve ser cuidadosamente avaliado, já que na prática se observam
casos em que empresários buscam burlar a legislação trabalhista e seus
encargos, utilizando-se dessa espécie de contrato de colaboração, assim como o
anterior.
Na
organização de sua atividade negocial, o representante, no que tange a
subordinação empresarial, sofre uma influência no exercício e gerenciamento
pelo representado, mas no que diz respeito apenas à forma de exploração do
negócio, do contrário restaria configurada relação de subordinação pessoal e,
provavelmente vínculo empregatício e não comercial.
O
representante comercial autônomo é um comerciante, o qual deve registrar-se no
órgão profissional correspondente, o Conselho Regional dos Representantes
Comerciais, ressaltando-se que se for pessoa jurídica, faz-se necessário,
também, o registro na Junta Comercial.
Ulhoa
lembra que consistem em obrigações do representante comercial autônomo: a)
obter pedidos de compra e venda, ajudando o representado a expandir seu
negócio; b) observar, se prevista, a cota de produtividade , ou seja, o número
mínimo de pedidos a cada mês; c) seguir as instruções fixadas pelo
representado; d) informar o representado sobre o andamento dos negócios; e)
observar as obrigações profissionais e f) respeitar a cláusula de exclusividade
de representação, se expressamente pactuada.
E
continua, destacando que quanto as obrigações do representado, tem-se: a) pagar
a retribuição devida ao representante e b) respeitar a cláusula de
exclusividade de zona, pela qual lhe é obstado vender os seus produtos em uma
determinada área delimitada em contrato.
No
tocante a extinção do vínculo contratual, destaque-se as seguintes
considerações[20]:
“A
lei estabelece as indenizações devidas pela resolução do contrato de
representação comercial. Nos contratos com prazo indeterminado, firmados há
mais de 6 meses, a parte que o denunciar está obrigada a conceder pré-aviso de
30 dias ou, senão, pagar indenização correspondente a 1/3 das comissões
referentes aos últimos 3 meses. Trata-se, aqui, de resolução sem culpa de
qualquer das partes contratantes (art. 34).
O
representado poderá promover a resolução do contrato quando o representante
incorrer em determinadas práticas definidas em lei (desídia no cumprimento das
obrigações contratuais, atos que importem em descrédito comercial do
representado, condenação definitiva por crime infamante, por exemplo) ou
havendo força maior (art. 35). Neste caso, nenhuma indenização será devida ao
representante, e este ainda poderá ser responsabilizado, com base no direito
civil (CC art. 475), pelos danos que causou ao representado.
Por
outro lado, o representante poderá resolver o contrato quando o representado a
isto der causa, incorrendo em certas práticas elencadas em lei (inobservância
da cláusula de exclusividade, mora no pagamento da comissão, fixação abusiva de
preços na zona do representante, por exemplo), ou quando se verificar a força
maior (art. 36). Nesta hipótese, o representante terá direito à indenização
prevista em contrato por prazo indeterminado, nunca inferior a um doze avos do
total das retribuições auferidas, monetariamente atualizadas. Se o contrato
tinha sido firmado com prazo determinado, a indenização será equivalente à
multiplicação de metade do número de meses contratados pela média mensal das
retribuições auferidas.
Também
na hipótese de resolução do contrato por prazo indeterminado, feita
unilateralmente pelo representado, nos termos do art. 34, tem-se considerado
devida indenização em favor do representante. Em qualquer hipótese, será também
cabível, conforme entendem a doutrina e a jurisprudência, a indenização
correspondente ao pré-aviso.”
Assim,
verifica-se que há uma proteção à atividade comercial, mas não apenas visando o
ressarcimento do representante ou do representado que venha a ser prejudicado,
como também ao mercado de consumidores, a coletividade, que necessita da
constância nas atividades empresariais, a fim de manter uma segurança e um
respeito, no que tange a um produto, a uma marca, a uma empresa.
4.3.
Concessão Comercial
Nesse
contrato, diferentemente da representação comercial, o empresário
(concessionário) se obriga a comercializar, com ou sem exclusividade, com ou
sem cláusula de territorialidade, os produtos fabricados por outro empresário
(concedente).
A
Lei nº. 6.729, de 1979, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 8.132, de
1990, disciplina a concessão comercial, entretanto apenas no que se refere ao
comércio de veículos automotores terrestres, como automóveis, caminhões,
ônibus, tratores, motocicletas e similares, assim, quando for o caso de
concessões que envolvam mercadorias diversas daquelas, ter-se-á um contrato
atípico, de distribuição, vinculado apenas as normas gerais que envolvem as
relações contratuais, mas sem legislação específica.
Entretanto,
tais contratos são mais comuns na áreas de distribuição de veículos
automotores, por isso a necessidade de regulamentação específica, assim tem-se
como obrigações dos concedentes: a) permitir, gratuitamente, o uso de suas
marcas pelo concessionário; b) vender ao concessionário os veículos de sua
fabricação, na quantidade prevista em cota fixada; c) observar, na definição da
área operacional de cada concessionária, distâncias mínimas segundo o critério
de potencial de mercado e d) não vender, diretamente, os veículos de sua
fabricação na área operacional de uma concessionária, salvo à Administração
Pública, direta ou indireta, ao Corpo Diplomático ou a clientes especiais.
Aos
concessionários, a referida lei dispõe com deveres: a) respeitar a cláusula de
exclusividade, se houver; b) observar o índice de fidelidade para a aquisição
de componentes que vier a ser estabelecido, de comum acordo com os demais
concessionários e concedente, na Convenção de Marca; c) comprar do concedente
os veículos na quantidade prevista na cota respectiva, sendo-lhe facultativo
limitar o seu estoque e d) organizar-se, empresarialmente, de forma a atender
os padrões determinados pelo concedente, para a comercialização dos veículos e
para a assistência técnica dos consumidores.
O
concessionário pode comercializar livremente os acessórios, pois a lei cogita
atualmente fidelidade apenas para os componentes, assim como, quanto aos preços
dos veículos vendidos ao consumidor, serão fixados pelo concessionário e não
mais pelo concedente.
4.4.
Franquia (Franchising)
A
franquia “é um contrato pelo qual um comerciante (franquiador-franchisor)
licencia o uso de sua marca a outro (franquiado-franchiseer) e
presta-lhe serviços de organização empresarial, com ou sem a venda de produtos”[21].
Com este contrato uma pessoa com algum capital pode estabelecer-se
comercialmente, sem precisar proceder ao estudo e equacionamento de muitos dos
aspectos do empreendimento, pois o titular oferece-lhe subsídios
suficientes e indispensáveis à estruturação do negócio.
Insta
mencionar que a franquia se apresenta pela conjugação de dois contratos: o de
licenciamento de uso de marca e o de organização empresarial.
Nessa
espécie de contrato mercantil, ambas as partes têm vantagens de cunho
mercadológico, o franquiado já se estabelece negociando produtos ou serviços já
trabalhado junto ao público consumidor, através de técnicas de marketing
testadas e aperfeiçoadas pelo franquiador, enquanto este pode ampliar a oferta
da sua mercadoria ou serviço, sem novos aportes de capital, não necessitando
estabelecer e administrar filiais.
Os
serviços de organização empresarial que o franquiador presta ao franquiado são,
geralmente, os decorrentes de três contratos, que podem ser tratados
autonomamente, quais sejam: o contrato de engineering, pelo qual o
franquiador define, projeta ou executa o layout do estabelecimento do
franquiado; o management, relativo ao treinamento dos funcionários
do franquiador e à estruturação da administração do negócio; e o marketing,
pertinente às técnicas de colocação de produtos ou serviços junto aos seus
consumidores, envolvendo estudos de mercado, publicidade, vendas promocionais,
lançamento de novos produtos ou serviços etc.
Embora
haja legislação que disciplina determinados aspectos da franquia, destacando,
especialmente, a obrigação do franchisor fornecer aos
interessados uma Circular de Oferta de Franquia, com linguagem clara e simples,
prestando as informações essenciais da operação, sob pena de
nulidade contratual, esta não se tornou modalidade de contrato típico.
No
entanto pode-se verificar pela prática alguns encargos dos franquiados, quais
sejam: a) o pagamento de uma taxa de adesão e de um percentual do seu
faturamento; b) o pagamento pelos serviços de organização empresarial fornecidos
pelo franquiador; c) a obrigação de oferecer aos consumidores apenas os
produtos ou serviços da marca do franquiador e d) observar, estritamente, as
instruções e o preço de venda ao consumidor estabelecidos pelo franquiador. E,
como obrigações dos fraquiadores, durante a vigência do contrato, têm-se: a)
permitir ao franquiado o uso de sua marca e b) prestar os serviços de
organização empresarial.
4.5.
Distribuição
Os
contratos de distribuição consistem em atos do colaborador de aproximação, pelo
qual se identifica pessoas interessadas em adquirir (e, no caso da comissão,
também vender) produtos do outro empresário contratante, ou de intermediação, em
que o próprio colaborador adquire os produtos (e, no caso da franquia, também
serviços) do outro contratante e os oferece de novo ao mercado.
Os
contratos de distribuição-aproximação têm como características a não
eventualidade, a falta de vínculos de dependência do distribuidor pelo
proponente, zona determinada de atuação, exclusividade e a posse pelo distribuidor
das mercadorias a serem vendidas. Se faltar à distribuição-aproximação o último
requisito, o contrato é denominado “agência” (art. 470, CC/02), o qual também é
contrato típico, regido pelo Código Civil de 2002, e sujeito às mesmas regras
daquele.
Assim
leciona Ulhoa Coelho[22]:
“Na
distribuição-aproximação, o distribuidor ou agente são remunerados por um
percentual dos negócios que ajudam a realizar (a “comissão”). A obrigação
principal do proponente é a de pagar a comissão, podendo o contrato
condicioná-la ao efetivo pagamento do preço pelo terceiro adquirente das
mercadorias. [...]A obrigação principal que distribuidor ou agente assumem é a
de encontrar interessados em adquirir os produtos do proponente e,
encontrando-os, receber deles o pedido de compra.”
Por
outro lado, a distribuição-intermediação é contrato atípico, não disciplinado
por lei, logo questões como exclusividade, territorialidade, hipóteses de
resolução, direito à indenização, prazo e os demais elementos constitutivos da
relação contratual podem ser livremente negociados entre distribuidor e
distribuído, ressaltando-se que os casos omissos podem ser
eventualmente resolvidos por aplicação analógica das regras sobre o contrato de
concessão comercial, que é, dentre os de colaboração, o mais próximo à
distribuição-intermediação. Normalmente, essa espécie de contrato é o celebrada
entre distribuidoras de combustível e os postos gasolina, entre fábrica de
cerveja e atacadistas zonais etc.
5.
CONTRATOS BANCÁRIOS
A
doutrina reconhece que definir e conceituar o que seria um contrato bancário
tem sido tarefa árdua, sendo difícil diferenciar e delimitar, sem se render a
critérios duvidosos, facilmente desconstituídos.
Sérgio
Carlos Covello[23] tenta
definir tais contratos, partindo de dois critérios fundamentais: 1) o critério
subjetivo, sendo contrato bancário aquele realizado por um banco; 2) o critério
objetivo, pelo qual é contrato bancário aquele que tem por objeto a
intermediação do crédito. Entrementes, reconhece que tais critérios sozinhos
são insuficientes: o primeiro porque o banco realiza contratos que não são
bancários, como de locação, prestação de serviços, bancários, etc; o segundo
porque o particular também pode realizar operação creditícia sem que se
configure como bancária. Adota, então, uma concepção sincrética, recorrendo aos
dois critérios, para conceituar o contrato bancário como "[...] o
acordo entre Banco e cliente para criar, regular ou extinguir uma relação que
tenha por objeto a intermediação do crédito."
Fabio
Ulhoa Coelho[24] simplifica
dizendo que “contratos bancários são aqueles em que uma das partes é,
necessariamente, um banco”.Entretanto, reconhece que somente isso não
caracteriza a relação obrigacional bancária, acrescentando que “são bancários
aqueles contratos que somente podem ser praticados com um banco, ou seja,
aqueles que configurariam infração à lei caso fossem praticados com pessoa
física ou jurídica não autorizada a funcionar como instituição financeira”.
Dornelles
da Luz adota a definição de contrato bancário de Garrigues, como um "[...] negócio
jurídico ‘concluído por um Banco no desenvolvimento de sua atividade
profissional e para a consecução de seus próprios fins econômicos.’"[25]Adota
o autor o critério subjetivo para definição, incluindo as atividades de
prestação de serviços bancários que no conceito objetivo-subjetivo de Covello
restavam excluídas.
Já
Rodrigues Alves, após criticar a conceituação com base no critério
puramente subjetivo: "[...]em verdade, há operação bancária
se existe suporte fático que se traduz empiricamente em atividades nas quais o
banco opera com o cliente, atendendo-se ao fim comercial do banqueiro."[26]
Apesar
desse conceito se demonstrar mais ligado à definição das atividades bancárias,
ainda se apresenta como o mais abrangente.
5.1.
Atividades Bancárias
A
partir da análise da Lei n° 4.595/64 (LRB), mais especificamente de seu art.
17, pode-se entender por atividade bancária a coleta, intermediação ou
aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros em moeda nacional ou
estrangeira. Essas atividades estão ligadas, direta ou indiretamente, à
concessão, circulação ou administração do crédito.
Seu
exercício esta adstrito à autorização governamental, sendo concedido pelo
BACEN, salvo quando se tratar de empresário estrangeiro, a qual será dada mediante
decreto presidencial.
A
doutrina divide tais atividades em típica (relacionadas ao crédito) e atípicas
(serviços acessórios, locação de cofres, custódia de valores etc), sendo as
primeiras subdividas, ainda, em passivas e ativas, conforme assuma o banco a
posição de devedor ou credor da obrigação principal.
As
operações bancárias passivas se constituem, v. g., no depósito
bancário, na conta corrente bancária e na aplicação financeira, sendo os
contratos que têm a função econômica de captação dos recursos e que necessita
do banco para o desenvolvimento de sua atividade. Quanto as ativas, tem-se como
exemplos o mútuo bancário, o desconto, a abertura de crédito e crédito
documentário, aqui os bancos concedem créditos aos clientes com recursos
coletados junto a outros clientes, através de contratos das operações passivas.
Como
principais características, podem-se destacar: a) uma das partes deve ser,
necessariamente, um banco; b) o objetivo do contrato, tipicamente, é a
intermediação de crédito; c) os contratos são sigilosos, salvo se em confronto
com interesses públicos; d) rígida contabilidade; e) complexidade estrutural e
busca de simplificação; f) profissionalidade e comercialidade; g)
informalidade; h) contrato de massa; i) contrato de adesão e formulário; j)
interpretação específica.
Destaque-se
que, atualmente, as operações creditícias oferecidas pelas instituições
financeiras ao mercado de consumo estão sujeitas à disciplina do Código de
Defesa do Consumidor (CDC, arts. 3º, § 2º, e 52).
5.2.
Contratos Bancários Impróprios
Como
já mencionado, há divergências na doutrina quanto a conceituação dos contratos
bancários e sua abrangência, assim pode-se identificar determinados contratos,
em relação aos quais debatem os autores sobre a necessidade ou não da
participação, em um dos pólos da relação negocial, de uma instituição
financeira devidamente autorizada a funcionar pelas autoridades monetárias.
Fábio
Ulhoa Coelho[27] denomina,
assim, a alienação fiduciária em garantia, a faturização (factoring), o
arrendamento mercantil e o cartão de crédito como sendo contratos bancários
impróprios, os quais serão, portanto, a seguir analisados.
5.2.1
Alienação Fiduciária em Garantia
Segundo
Orlando Gomes, a alienação fiduciária em garantia é "o negócio jurídico
pelo qual o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a
propriedade de um bem, retendo-lhe a posse indireta, sob a condição resolutiva
de saldá-la"[28].
Coelho[29] entende
como “aquele negócio em que uma das partes (fiduciante), proprietário de um
bem, aliena-o em confiança para a outra (fiduciário), a qual se obriga a
devolver-lhe a propriedade do mesmo bem nas hipóteses delineadas em contrato”,
destacando, ainda, “a sua natureza instrumental, isto é, a alienação fiduciária
será sempre um negócio-meio a propiciar a realização de um negócio-fim”.
As
partes que figuram na alienação fiduciária em garantia são o devedor, o
fiduciante ou alienante e o credor, fiduciário ou adquirente. O objeto da
relação negocial pode ser bem móvel e imóvel, aplicando-se, nessa última
hipótese, os arts. 22 a 33 da Lei n. 9.514/97, que instituiu o sistema de
financiamento imobiliário.
O
instituto da alienação fiduciária em garantia foi introduzido no ordenamento
jurídico brasileiro através do art. 66 da Lei nº 4.728, de 14-7-1965, com a
redação dada pelo Decreto-lei nº 911, de 1º-10-1969. O novo Código Civil trata
do assunto nos artigos 1.361 ss., dispondo que “considera-se
fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com
escopo de garantia, transfere ao credor."
A
função econômica do contrato pode estar relacionada à viabilização da
administração do bem alienado, à subsequente transferência de domínio a terceiros
ou, em sua modalidade mais usual, à garantia de dívida do fiduciante em favor
do fiduciário.
A
Súmula 28 do STJ uniformiza, dispondo que, embora seja negócio de larga
utilização no financiamento de bens de consumo duráveis, nada impede que a
alienação fiduciária em garantia tenha por objeto bem já pertencente ao
devedor.
Havendo
a mora no adimplemento da obrigação pelo devedor, a coisa dada em garantia será
consolidada no domínio do credor, podendo ser vendida, independentemente de
leilão, avaliação prévia ou interpelação do devedor. Ou, não estando o credor
na posse do bem móvel, pode requerer a sua busca e apreensão.
Lembrando-se
que, por decisão sumulada pelo STF, não se admite mais no Brasil a prisão do
depositário infiel, e se o bem (móvel) não for encontrado na posse do
fiduciante, a busca e apreensão pode transformar-se, a pedido do fiduciário, em
ação de depósito.
Quando
a alienação fiduciária em garantia tem por objeto um imóvel, não é o caso de
busca e apreensão ou ação de depósito, já que os direitos do credor fiduciário
se tornam efetivos através da consolidação, em seu nome, da propriedade do bem,
perante o Registro de Imóveis, uma vez não purgada a mora pelo devedor,
regularmente intimado (Lei n. 9.514/97, art. 26).
5.2.2
Faturização (“factoring”)
Faturização
– ou “fomento mercantil” – é o contrato pelo qual uma instituição financeira
(faturizadora) se obriga a cobrar os devedores de um empresário (faturizado),
inclusive judicialmente, as faturas por este emitidas, prestando-lhe os
serviços de administração de crédito.
Waldo
Fazzio Junior[30] desperta,
ainda, um olhar para os seguintes fatos:
“O factoring ou
faturização (fomento comercial) é um contrato misto de compra e venda, desconto
e cessão de crédito, pelo qual uma empresa vende a outra seu faturamento a
prazo, total ou parcial, sem garantir o pagamento dos créditos transferidos,
recebendo como preço valor menor que o daqueles, consistindo essa diferença em
remuneração da empresa adquirente. Para o faturizado, significa a antecipação
de valores de seus créditos; para o faturizador, a compra de ativos por valor
inferior.”
As
principais obrigações do faturizador são: a) gerir os créditos do faturizado;
b) pagar ao faturizado as importâncias relativas às faturas recebidas ou
devidas, mesmo que não pagas e; c) assumir o risco pelo não-pagamento, por
parte do devedor. Tendo como direitos o de se recusar a aprovar uma fatura
apresentada, cobrar as faturas e deduzir sua remuneração das quantias pagas ao
faturizado, conforme acordado.
Principais
obrigações do faturizado: pagar ao faturizador as comissões relativas ao factoring,
submeter ao faturizador as contas cujos créditos tenciona ceder, remeter as
contas ao faturizador, da forma convencionada, prestar ao faturizador todas as
informações, sobre clientes e sobre o recebimento dos créditos. E seus direitos
são, receber o pagamento das faturas conforme acordado, transferir faturas não
aprovadas ao faturizador, para cobrança, agora na qualidade de mandatário do
faturizado e receber do faturizador informações e assistência, para que as
relações se mantenham amigáveis.
Quanto
as modalidades de faturização, tem-se conventional factoring, pela
qual a instituição financeira garante o pagamento das faturas antecipando o seu
valor ao faturizado, compreendendo, pois, os serviços de administração do
crédito, seguro e financiamento, e o maturity factoring, em que a
instituição faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no seu
vencimento, havendo apenas a prestação de serviços de administração do crédito
e o seguro, ausente o financiamento.
5.2.3
Arrendamento Mercantil (leasing)
O leasing,
também denominado arrendamento mercantil, “é uma operação em que o proprietário
(arrendador, empresa de arrendamento mercantil) de um bem móvel ou imóvel cede
a terceiro (arrendatário, cliente, "comprador") o uso desse bem por
prazo determinado, recebendo em troca uma contraprestação”[31].
Fran
Martins[32] leciona,
quanto à natureza do arrendamento mercantil, o seguinte:
“O
arrendamento mercantil é de natureza complexa, compreendendo uma locação, uma
promessa unilateral de venda (em virtude de dar o arrendador opção de aquisição
do bem pelo arrendatário) e, às vezes, ummandato, quando é o
próprio arrendatário quem trata com o vendedor na escolha do bem. Cada um
desses atos e contratos dá origem a obrigações: pela locação, o
arrendatário é obrigado a pagar as prestações, enquanto que o arrendante é
obrigado a entregar a coisa para que o arrendatário dela use; pela promessa
unilateral do arrendador, aceita pelo arrendatário, aquele se obriga
irrevogavelmente a vender a coisa pelo valor residual, findo o contrato; pelo mandato,
o arrendador, no caso mandante, responde pelos atos praticados pelo
arrendatário, adquirindo a coisa por este escolhida e pagando ao vendedor o
preço convencionado.”
Faz-se mister ressaltar
as seguintes peculiaridades desse contrato mercantil[33]:
“As
empresas vendedoras de bens costumam apresentar o leasing como mais uma forma
de financiamento, mas o contrato deve ser lido com atenção, pois trata-se de
operação com características próprias.
Esta
operação se assemelha, no sentido financeiro, a um financiamento que utilize o
bem como garantia e que pode ser amortizado num determinado número de
"aluguéis" (prestações) periódicos, acrescidos do valor residual
garantido e do valor devido pela opção de compra.
Ao
final do contrato de arrendamento, o arrendatário tem as seguintes opções:
-
comprar o bem por valor previamente contratado;
-
renovar o contrato por um novo prazo, tendo como principal o valor residual;
-
devolver o bem ao arrendador.”
Quanto
aos prazos dessa modalidade contratual, destaque-se que para bens com vida útil
até cinco anos, o prazo mínimo de arrendamento é de dois anos, como é o caso, verbi
gratia, dos veículos automotores, enquanto que nos demais casos, id
est, bens com vida útil acima de cinco anos, é de três anos, como por
exemplo nos casos de imóveis. Existe, também, a modalidade de operação
denominada leasing operacional, na qual o prazo mínimo é de 90
dias.
No
tocante a possibilidade de liquidação, antes desses prazos mínimos, a operação
perde as características de arrendamento mercantil e passa a ser enquadrada
como uma operação de compra e venda a prestação, implicando custos adicionais
tanto para o arrendatário (o cliente) quanto para a arrendante (a empresa de leasing),
é o que tem entendido alguns julgados, nos quais se considera a cláusula de valor
residual garantido(VRG) uma distorção do leasing, determinando
que os direitos e obrigações das partes sejam tratados como se o vínculo entre
elas fosse o de compra e venda a prazo.
O
imposto que incide em tais operações é o ISS (Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza), e não o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), apesar
de tais sociedades anônimas dedicadas ao arrendamento mercantil serem
consideradas instituições financeiras para os efeitos da lei do sigilo bancário
(LC n. 105/2001, art. l2, VII).
Ulhoa[34] chama
a atenção para um aspecto importante, no que tange à ação da arrendadora contra
a arrendatária inadimplente, destacando que existe divergência jurisprudencial,
havendo julgados que admitem, apenas, a possibilidade de o credor ingressar em
juízo para postular a resolução do contrato e a devolução da coisa, enquanto
outras decisões que afirmam a proximidade entre o arrendamento mercantil e a
alienação fiduciária em garantia, reconhecem ao arrendador o direito à busca e
apreensão do bem arrendado.
5.2.4
Cartão de Crédito
Pelo
contrato de cartão de crédito, uma instituição financeira (emissora) se obriga
perante uma pessoa física ou jurídica (titular) a pagar o crédito concedido a
esta por um terceiro, empresário credenciado por aquela (fornecedor). O cartão
de crédito, propriamente dito, é o documento pelo qual o titular prova, perante
o fornecedor, a existência de contrato com a instituição financeira emissora,
servindo também para a confecção da nota de venda, que é o instrumento de
outorga do crédito pelo fornecedor ao titular.
Fábio
Bellote Gomes[35],
acerca das operações de cartão de credito, assim se manifesta:
“A
operação de cartão de crédito não é propriamente um contrato, mas um conjunto
de contratos que se entrelaçam em uma complexa e interessante operação
jurídico-econômica que tem como finalidade propiciar e facilitar a circulação
de bens e/ou serviços, garantindo segurança e agilidade às partes envolvidas na
operação, sendo estas: operadora de cartões de crédito; titular do cartão;
fornecedor (ou prestador de serviços).”
Atualmente,
os cartões de crédito se tornaram um eficiente mecanismo de propulsão de
crédito, assegurando as vendas pelos fornecedores e as facilidades de pagamento
aos consumidores. Ressalte-se, ainda, que esse contrato tem se materializado na
forma de “título de crédito” do mundo contemporâneo, uma vez que é mais rápido
e tem se adequado a informatização e as exigências de um mercado globalizado.
Trata-se
de um contrato bancário, na medida em que a emissora, na verdade, financia
tanto o titular como o fornecedor, uma vez que efetuada a compra, em função do
crédito dado àquele por esse, na data do vencimento mensal do cartão, será pago
o valor à instituição financeira emissora, a qual repassará, cobradas as taxas
de devidas pelo serviço oferecido no contrato de cartão de crédito, ao
fornecedor.
A
Lei Complementar nº 105/2001, que versa sobre o sigilo nas operações bancárias,
prevê em seu art. 12,VI, que as administradoras de cartão de crédito, assim
como as demais instituições financeiras devem manter sigilo sobre estes
contratos.
Insta
ressaltar que, o fornecedor não está obrigado a conceder crédito a seus
consumidores, titulares dos cartões de crédito, não podendo ser acionados para
responder, perante esses, sobre eventuais danos, por exemplo, entretanto, se
credenciados, as instituições emissoras do cartão podem cobrar multas e,
inclusive, rescindir o contrato com aquelas, uma vez previstas tais medidas no
instrumento contratual.
6.
CONTRATOS INTELECTUAIS
Contratos
intelectuais são aqueles que tem como normas orientadoras os chamados direitos
intelectuais, ou seja, com a propriedade industrial (a cessão de patente,
cessão de registro industrial, licença de uso de patente de invenção, licença
de uso de marca e transferência de tecnologia) ou com o direito autoral (a
comercialização de logiciário).
Tais
contratos, para adquirir eficácia perante terceiros, devem ser registrados no
Instituto Nacional da Propriedade Industrial — INPI. Assim, para que a
remuneração devida em razão do contrato possa servir de base para a
dedutibilidade fiscal e para que a sua remessa ao exterior seja admitida pelo
governo, se faz indispensável o cumprimento deste requisito formal. Porém, para
que o contrato produza efeitos entre os contratantes, é irrelevante o
atendimento desta formalidade.
6.1.
Cessão de Direito Industrial
Nesse
tópico, pode se verificar que os contratos de cessão de direito industrial são
orientados por dois objetivos, quais sejam, a obtenção de uma patente (de
invenção ou de modelo de utilidade) ou de um registro industrial (de desenho
industrial ou de marca).
Na
primeira hipótese, o titular da patente[36] (cedente)
transfere, total ou parcialmente, ao outro contratante (cessionário), os
direitos mencionados na respectiva patente.
Quanto
a cessão de registro industrial, é o contrato pelo qual o proprietário de
registro de desenho industrial ou de marca (cedente) transfere ao outro
contratante (cessionário), total ou parcialmente, os direitos por ele
titularizados, de exploração econômica com exclusividade daqueles bens.
Por
sua vez, em ambos os casos, o cedente responde pela existência do direito
industrial ao tempo da transferência, podendo o cessionário demandar a
resolução do vínculo e perdas e danos na hipótese de anulação, cancelamento ou
caducidade deste por fato anterior ao negócio. Ademais, no caso da cessão de
patente, o cedente responde, ainda, por perdas e danos caso a invenção ou
modelo não apresente o desempenho por ele propagado.
6.2.
Licença de Uso de Direito Industrial
A
licença de uso é um contrato intuitu personae, pelo qual se
autoriza a exploração econômica, de uma patente ou de um registro industrial
(desenho industrial ou marca), por um terceiro, entretanto, diferentemente da
cessão, anteriormente tratada, nessa modalidade de contrato intelectual não se
transfere a propriedade do direito industrial, mas apenas a posse, i.e., o uso.
Há
casos em que a lei prevê a obrigatoriedade da licença, quais sejam, quando o
titular de patente industrial exerce de modo abusivo seu direito industrial, ou
quando pratica infração contra a ordem econômica, através da patente, bem como
verificada a não-exploração do objeto desta no Brasil ou, ainda, sua
insatisfatória comercialização. Uma vez caracterizadas tais situações, a lei de
propriedade industrial (LPI) destaca que qualquer pessoa, com legítimo
interesse, capacidade técnica e econômica para realizar a eficiente exploração
da patente, pode requerer ao INPI a licença compulsória.
No
que tange a responsabilidade civil do licenciador, faz-se necessário menção aos
ensinamentos de Fabio Ulhoa Coelho[37]:
“O
direito consumerista brasileiro não ostenta norma expressa acerca da
responsabilidade civil do licenciador por fato do produto ou serviço oferecido
pelo licenciado, com uso de desenho industrial ou das marcas por aquele
titularizados. Contudo, deve-se entender que o consumidor tem o direito de
demandar o titular da marca aposta nos produtos ou serviços defeituosos, por
danos sofridos em decorrência destes, mesmo quando são oferecidos ao mercado
por terceiros licenciados. Por outro lado, é evidente que o consumidor não
poderá demandar o titular do registro se ficar provada a contrafação de
registro industrial, isto é, que o produto ou serviço defeituoso foi oferecido
ao mercado por fornecedor não licenciado.”
Há
uma modalidade específica de licença de uso de registro industrial de marca,
denominada merchandising, em que o licenciado (merchandisee)
está autorizado contratualmente a fazer uso da marca titularizada pelo
licenciador (merchandisor) apenas em produtos ou serviços não oferecidos
ao mercado por este último, v.g.,quando o titular da marca Coca-cola licencia
o seu uso em peças de vestuário, resta configurada este tipo especial de
licença.
Quanto
a responsabilidade civil do licenciador no merchandising, por
fato do produto ou serviço defeituoso oferecido pelo licenciado, existe apenas
se o consumidor não puder distinguir, razoavelmente, a natureza essencialmente
publicitária da utilização da marca em tal produto ou serviço.
O
licenciamento de uso de direito industrial pode ser pactuado com ou sem
exclusividade e o seu prazo não pode, evidentemente, exceder à duração do
próprio direito licenciado.
6.3.
Transferência de Tecnologia
Como
anteriormente mencionado, os economistas visualizavam, nos fins do século XIX,
início do XX, a existência de três recursos de produção, quais sejam, a terra,
o trabalho e o capital. Atualmente, trabalha-se, ainda, com o conceito de
Organização, cuja finalidade seria explicar o fenômeno da acumulação do
capital, a qual se subdividiria em recursos mercadológicos, ou marketing, e
recursos administrativos.
Entretanto,
há quem vislumbre o quarto fator de produção, que seria a “tecnologia”, o que
se pode vincular ao capital intelectual, ou cultural, adquirido e acumulado por
certos indivíduos, o qual se transforma em conhecimento[38].
Ulhoa[39] entende
por tecnologia o seguinte:
“Em
termos jurídicos, tecnologia é o saber industrial, isto é, aquele tipo de
conhecimento que se pode utilizar na produção de um bem ou comodidade
destinados à comercialização. Somente esta espécie de saber tecnológico tem
valor de mercado, e, por isso, o direito se ocupa em disciplinar os muitos
interesses que gravitam em torno de sua circulação econômica. Principalmente em
um país da periferia do capitalismo, como o nosso, a intervenção de know-how (importação
de tecnologia) acaba interferindo em importantíssimos aspectos da economia,
como, por exemplo, a política cambial ou de controle do capital estrangeiro.”
Quanto
as modalidades da transferência de tecnologia, podem se elencar as seguintes:
licença de uso de patente; licença de uso de registro industrial (uso de
desenho industrial ou de marca); fornecimento de tecnologia; prestação de
serviços de assistência técnica e científica. As duas primeiras já examinadas,
as quais podem ou não servir de instrumento de transmissão de tecnologia,
assim, nem sempre a licença importará em transferência de know-how,
mas em mera concessão de uso, mantendo o segredo industrial.
Nos
contratos de fornecimento de tecnologia e de prestação de serviços de
assistência técnica e científica haverá sempre uma transmissão do know-how de
um para outro contratante, uma vez que o objetivo negocial é o de que uma das
partes (cedente), detentora de conhecimento protegido ou não por patente,
capacitará a outra (cessionário) na aplicação desse conhecimento e obtenção de
seus resultados econômicos, fornecendo todos os dados e informações técnicas,
bem como prestando a assistência necessária ao atingimento dessa finalidade.
Ressalte-se,
ainda, que, para a licença de uso de direito industrial não se manifestar
enquanto instrumento de efetiva “transição de conhecimento de um para outro
contratante, deve-se providenciar a sua averbação no INPI, para que produza
todos os seus efeitos tributários (dedutibilidade fiscal), cambiais (remessa da
remuneração para o exterior) e perante terceiros”[40].
Se
as partes pactuaram cláusula de indisponibilidade da tecnologia transferida, ou
de sigilo, responderá o cessionário por perdas e danos decorrentes de sua
inobservância.
6.4.
Comercialização de Logiciário (Software)
Os
"programas de computador", ou simplesmente software, ou,
ainda, numa expressão de Vieira Manso[41],
o “logiciário”, designam o conjunto de instruções indispensáveis ao tratamento
eletrônico de informações, tutelados pelo direito autoral.
Assim,
a cópia de um programa de computador, popularmente conhecida como “pirataria”,
é uma conduta ilícita, com sanções previstas, inclusive no Código Penal.
Entretanto,
cabe, nesse momento, um adendo quanto a criminalização do vulgo “camelô”,
aqueles indivíduos que ficam nas ruas e esquinas da maioria das cidades,
tentando manter uma vida digna, situação muito difícil num país desigual,
excludente, no qual a vida é direito de uns, e tê-la de modo digno é de poucos.
Alguns
entendem, inclusive jurisprudências assim se manifestam, em haver uma conduta
adequada socialmente, na qual esses pequenos vendedores agem quase que em
estado de necessidade, não havendo conduta diferente a ser exigida, já que há
uma demanda grande pelos produtos pirateados (CD’s, DVD’s, etc) e a oferta é
uma consequência. Ademais, criminalizar uma conduta, na qual o objeto em
análise é a divulgação da cultura, do direito ao lazer, ao divertimento e
conhecimento é mitigar mais alguns direitos constitucionais, a fim de salvaguardar
os interesses meramente econômicos.
Dito
isso, entenda-se como ilícita a ação de grandes organizações, que roubam carga
de softwares, reproduzem em larga escala, prejudicando, deveras, a
ordem econômica, a fim de obter lucro rápido e fácil. É claro, que até mesmo
aqui poder-se-ia tecer mais algumas elucubrações, entretanto fugiria do foco
que são os contratos negociais nas relações empresariais.
Os
direitos do autor são disciplinados pelo direito civil, o qual tutela à forma
de exteriorização da ideia, não impedindo, é claro, obra semelhante, desde que
não ocorra plágio. O direito do autor decorre da apresentação da obra ao
público e, portanto, independe de qualquer reconhecimento estatal.
Destaque-se
algumas considerações relevantes do citado jurista, Ulhoa Coelho[42]:
“Ao
se afirmar que o criador de logiciário tem a proteção do direito autoral, isto
significa, portanto, que ele tem a prerrogativa de impedir a comercialização
por terceiros de programa de computador com idêntica forma, desde o momento em
que o torna público, por qualquer meio. [...]
Outro
aspecto relacionado com a natureza autoral do direito do criador do logiciário
é a licitude da chamada "engenharia às avessas". Ou seja, não é
lesiva aos direitos do criador a desmontagem magnética do logiciário, por
terceiro interessado em descobrir a estrutura interna do programa, com vistas
ao aperfeiçoamento de seus conhecimentos.
Com
efeito, o direito autoral protege a forma do programa de computador contra os
plágios, e não a própria ideia inventiva. [...]
Para
o exato equacionamento das questões relativas aos direitos intelectuais sobre
software, em síntese, deve-se apelar à lei de disciplina do direito autoral
(Lei n. 9.610, de 1998).
Salvo
quanto às matérias disciplinadas de forma diversa no diploma legal específico,
como, por exemplo, o prazo de duração, que é de apenas 50 anos contados de l2
de janeiro do ano seguinte à publicação ou criação do produto.
Um
programa de computador pode ser objeto de contrato entre empresários (cessão ou
licença de uso ou, ainda, transferência de tecnologia) ou entre o titular dos
direitos de comercialização e o usuário. Quanto a este último, previu a Lei n.
9.609/98 (arts. 1º e 8º), as seguintes condições, destinadas à tutela do
usuário do programa (consumidor): a) obrigatória menção na embalagem, nos
suportes físicos e no instrumento contratual, do prazo de validade técnica do
logiciário; b) garantia da prestação de serviços técnicos complementares, com
vistas ao adequado funcionamento do software.”
Com
o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, o usuário de programa de
computador, enquadrando-se no conceito de consumidor[43] trazido
por esta lei, pode utilizar-se da mesma para a viabilização e proteção dos seus
interesses, além das condições específicas da Lei n. 9.609/98.
7.
SEGURO
Inicialmente,
cabe fazer algumas considerações acerca do tratamento desse instituto no Brasil
e no mundo, assim, insta salientar que a exploração da atividade securitária em
todos os países do mundo é controlada pelo Estado, tendo em vista a sua
importância econômica.
A
função econômica do seguro é:
“(...)
socializar riscos entre os segurados. A companhia seguradora recebe de cada um
o prêmio, calculado de acordo com a probabilidade de ocorrência do evento
danoso. Em contrapartida, obriga-se a pagar certa prestação pecuniária, em
geral de caráter indenizatório, ao segurado, ou a terceiros beneficiários, na
hipótese de verificação do sinistro.
O
prêmio desdobra-se em duas parcelas: o prêmio puro, que é a medida do risco, e
o carregamento, que remunera os serviços da seguradora (custo e lucro)”[44].
No
Brasil, destaca-se duas legislações específicas ao tema, o primeiro é o
Decreto-Lei nº. 73/66 (Lei das Seguradoras: LS), o qual institui o Sistema
Nacional de Seguros Privados, e a Lei nº 10.185/2001, que traz a disciplina
jurídica do seguro saúde, assim como institui a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), posteriormente melhor abordado. Lembrando-se que o Código
Comercial trata apenas do seguro marítimo, o contrato de seguro terrestre é aquele
regulado pelo CC/02 e pelo Decreto-lei supramencionado, não deixando de
destacar que existem, ainda, os seguros aeronáuticos.
7.1.
Sistema Nacional de Seguros Privados
O
Sistema Nacional de Seguro Privado é integrado pelo Conselho Nacional de Seguro
Privado(CNSP), pela Superintendência de Seguros Privado (SUSEP), pelo IRB
Brasil Resseguros S.A., pelas sociedades seguradoras e pelos corretores.
O
CNSP (Conselho Nacional de Seguro Privado) incube de traçar a política geral de
seguros, funcionamento e fiscalização das seguradoras, fixar as características
gerais dos contratos de seguro, aplicar sanções legais, normatizar as operações
securitárias.
A
SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) é voltado à política definida pelo
CNPS. A SUSEP é o órgão regulamentador, autoriza e fiscaliza a atuação das
companhias de seguro e das corretoras de seguro. Nenhuma empresa poderá atuar
no ramo de seguros sem a devida autorização da SUSEP.
O
IRB Brasil Resseguros S.A é uma sociedade de economia mista com capital representado
por ações titularizadas, metade pela união e metade pela seguradoras. O IRB é o
órgão ressegurador. As empresas seguradoras têm liberdade de agir até o seu
Limite Técnico. O que exceder esse limite deve ser ressegurado. (É o seguro do
seguro).
As
Seguradoras devem estar autorizadas pelo governo federal. Admitem-se como
seguradora apenas sociedades anônimas e cooperativas, sendo que essas devem
operar com seguros agrícolas ou de acidente de trabalho.
Os
fundadores de sociedade seguradora devem requerer a autorização para
funcionamento no CNSP, depois devem comprovar junto á SUSEP, nos 90 dias
seguintes o atendimento das formalidades de constituição e de eventuais
exigências. Na seqüência será expedita a carta - patente. A sociedade não pode
falir, a pedido de credor, deve possuir o capital mínimo estipulado pelo CNSP e
a alteração de seu estatuto só terá eficácia após a aprovação pelo governo
federal.
Os
corretores de Seguro são pessoas físicas ou jurídicas, que aproximam as
sociedades seguradoras de possíveis segurados. O exercício desta profissão é
fiscalizado pela SUSEP, que procede à habilitação e registro dos corretores.
7.2.
Conceito e características
O
Código Civil de 2002, em seu art. 757[45] reza
que seguro é o contrato em que uma parte (sociedade seguradora) se obriga,
mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo da outra parte
(segurado), relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.
Esta
garantia do interesse legítimo do segurado se materializa, entre outras
obrigações, na de pagar àquele, ou a terceiros beneficiários, determinada
quantia, caso ocorra evento futuro e incerto.
Coelho[46] caracteriza
o seguro como “um contrato de adesão (a socialização dos riscos pressupõe a
necessária contratação em massa), consensual (independe de formalidade
específica) e comutativo (sem álea para as partes)”.
Nesse
sentido, aplica-se a essa espécie contratual o contido nos arts. 423 e 424 do
Código Civil de 2002 (ou art. 54 do CDC, caso o segurado seja consumidor),
pelos quais as cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas em
favor do segurado (ou terceiro beneficiário) e são nulas as cláusulas de
renúncia a direitos próprios do contrato.
A
despeito de, na legislação civil anterior, ser exigida certa solenidade para o
reconhecimento de um negócio jurídico de natureza securitária, com o advento do
Novo Código Civil, a apólice ou o bilhete de seguro são instrumentos de prova do
contrato, mas não o constituem. Aliás, prova-se a contratação do seguro por
qualquer documento comprobatório do pagamento do prêmio, como a guia de
compensação bancária ou o recibo do corretor (art. 758), consagrando-se a
característica consensual dessa espécie de contrato mercantil.
7.3.
Do Contrato de Seguro
Os
contratos de seguro são instrumentos de socialização de riscos, no qual os
segurados contribuem para a instituição de um fundo, destinado a cobrir os
prejuízos que alguns dele provavelmente irão sofrer, sendo que tais prejuízos,
previsíveis, não são suportados individualmente, pelo titular do interesse
diretamente atingido, mas são distribuídos entre diversos segurados,
configurando o que se denomina de mutualidade.
Tal
característica proporciona ao segurado substancial economia, pois tem os seus
interesses preservados a um custo consideravelmente inferior àquele em que
incorreria caso houvesse de suportar isoladamente as consequências do evento
danoso.
7.3.1
Obrigações das Partes
Pode-se
vislumbra à seguradora duas obrigações principais, uma vez celebrado o negócio
jurídico securitário: garantir o interesse do segurado contra os riscos
indicados em contrato; organizar-se empresarialmente e gerir os recursos
provenientes do pagamento do prêmio (em especial a parte denominada de
"prêmio puro") de forma a atender aos compromissos com seus segurados
ou beneficiários. Ressalte-se, ainda, que se verificado o sinistro, cujos
efeitos danosos era intenção do segurado evitar ou atenuar, a seguradora deve
pagar-lhe a importância determinada (CC, art. 757).
Quanto
ao segurado, aponta-se as seguintes obrigações: pagar o prêmio, prestar
informações verídicas, abster-se de aumentar o risco em torno do interesse
segurado e comunicar à seguradora tanto a verificação de incidente que aumente
o risco como a do próprio sinistro (o atraso injustificado nesta comunicação do
sinistro acarretará a perda do direito à indenização).
Juridicamente,
o prêmio é considerado a principal obrigação do segurado. Sem o pagamento do
prêmio não se pode exigir que a seguradora cumpra suas obrigações estipuladas
no contrato de seguro, dentre elas a de indenizar quando da ocorrência do
sinistro, é o que reza o art. 763, do CC/02, quando expõe que o segurado que
estiver em mora no pagamento do prêmio, não pode cobrar da seguradora o
pagamento do valor previsto em contrato, pois não terá direito de receber.
Saliente-se,
também, o que dispõe o art. 765 do CC/2002, no sentido de que “o segurado e o
segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a
mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das
circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
7.3.2
Das espécies de contratos de seguro
Há
duas espécies de contratos de seguro, no que tange a natureza do interesse
segurado: o de dano (ramos elementares) e o de pessoas (vida ou acidentes
pessoais com morte).
No
primeiro, o objeto a ser tutelado são os interesses patrimoniais (bens,
valores, direitos etc), obrigacionais, de saúde e integridade física do
segurado, tendo caráter flagrantemente indenizatório. No segundo, a prestação
da seguradora (capital) é devida quando verificada a ocorrência de morte do
segurado antes de certo termo, sua sobrevivência após certo termo ou acidente
pessoal com morte, havendo, tão somente, o cumprimento da obrigação pecuniária
contraída, não se podendo suscitar um caráter indenizatório, uma vez que o bem
tutelado, qual seja, a vida, não é suscetível de avaliação monetária.
Nos
seguros de dano, a liquidação não pode consistir em enriquecimento do segurado,
mas apenas reposição de perdas, uma vez que, se assim se procedesse, passaria a
ser do seu interesse a ocorrência do sinistro, contrariando a verdadeira
intenção do seguro, que seria a do segurado evitar ou atenuar os efeitos
danosos. Nesse sentido, faz-se mister mencionar que[47]:
“(...)
não é lícito ao segurado contratar pelo seu valor integral mais de um seguro de
ramo elementar, referente ao mesmo interesse (prática irregular denominada
sobre-seguro), nem, por outro lado, segurá-lo em importância superior ao seu
valor, pois, caso contrário, sobrevindo o sinistro, ocorreria o seu
locupletamento sem causa (CC, art. 778). Pela mesma razão, se o interesse for
segurado por importância inferior ao seu valor, entende-se que o segurado optou
por assumir, pessoalmente, o risco em relação à parte não segurada. Nesta
situação, verificando-se o sinistro, a seguradora responde proporcionalmente ao
valor do objeto do contrato, arcando o próprio segurado com o restante (regra
proporcional).
Note-se
que a vedação do sobre-seguro funda-se no caráter indenizatório da prestação
devida pela seguradora. Ou seja, se inexistisse essa proibição legal, a perda
de bens segurados passaria a ser mais vantajosa, ao beneficiário do seguro, do
que a sua conservação, estimulando-se, em certa medida, a negligência na guarda
daqueles. O sobre-seguro, incompatível com a natureza indenizatória da
prestação devida pela seguradora, no caso de operação em ramo elementar, não se
confunde com o co-seguro ou com o seguro cumulativo, modalidades admitidas pelo
direito. Entende-se por co-seguro aquele em que diversas seguradoras se
responsabilizam por uma parte da indenização devida em razão do sinistro (CC,
art. 761), e por seguro cumulativo aquele em que segurados, cada qual motivado
por interesse próprio, celebram contratos de seguro referentes a um mesmo bem.”
Ao
contrário do que ocorre com o seguro de pessoa, no de ramos elementares o
segurado contrata com a seguradora a recomposição de seu patrimônio, caso venha
a ser atingido por sinistro, verbi gratia, a incapacidade laborativa,
despesas com saúde, responsabilidade civil perante terceiros, inadimplemento de
devedores, prejuízos patrimoniais.
A
apólice dos seguros de ramos elementares pode ser nominativa, endossável ou ao
portador, enquanto a dos seguros de vida não comporta esta última forma.
Segundo
Ulhoa Coelho[48],
quando da análise dos arts. do Código Civil/2002, no que se refere aos contratos
de seguro, tem-se que:
“Como
a prestação assumida pela seguradora (capital), no seguro de pessoa, não tem
natureza indenizatória, não é vedado o sobre-seguro. Ao segurado,
consequentemente, é lícito contratar tantos seguros de vida quantos queira, e o
beneficiário poderá, uma vez ocorrida a morte ou sobrevida daquele, reclamar o
pagamento de todas as seguradoras (CC, art. 789).
Pela
mesma razão, a regra proporcional não tem qualquer pertinência, devendo o
seguro ser liquidado pelo valor total da apólice.
Ao
contratar seguro de vida, o proponente, que não é necessariamente o segurado (a
pessoa cuja morte ou sobrevida é objeto de contrato — CC, art. 790), nomeia o
beneficiário da prestação contratada com a seguradora. Se este não estiver
identificado na apólice, entende-se que o seguro foi estipulado metade em favor
do cônjuge não separado judicialmente e o restante dos herdeiros do segurado,
seguida a ordem da vocação hereditária (CC, art. 792).
O
recebimento pelo beneficiário do capital devido pela seguradora, quando falece
o segurado, não tem a natureza de sucessão. É o próprio beneficiário o titular
do direito de crédito, de modo que não incide sobre a importância paga qualquer
tributo de transmissão causa mortis. Por esta mesma razão, os credores do falecido
não podem executar os seus créditos sobre a mesma importância (CC, art. 794). É
claro que, morrendo o próprio beneficiário, após ter-se tornado titular do
crédito perante a seguradora, os herdeiros ou legatários daquele sucedem-no na
importância contratada, hipótese em que o seu pagamento deve ser considerado
herança ou legado.
O
beneficiário de seguro de vida não terá direito ao recebimento do capital, se a
morte é voluntária, tal como a decorrente de suicídio premeditado. O suicídio
não premeditado não é causa excludente de recebimento do valor do seguro
(Súmula 61 do STJ). Considera-se dessa categoria o suicídio cometido após os
dois primeiros anos de vigência inicial do seguro ou de sua recondução depois
de suspenso (CC, art. 798). Também não exonera a seguradora o falecimento
ocorrido em razão da prática de esportes arriscados, exercício de atividade
profissional perigosa, cirurgia, prestação de serviços militares, atos de
humanidade em auxílio de outrem ou dos riscos maiores oferecidos por meio de
transporte (CC, art. 799).”
A
Lei das Seguradoras (Decreto-lei 73/66) prevê hipóteses em que a contratação do
seguro é obrigatória, sob pena de multa aplicada pela SUSEP (arts. 20, 112 e
119), como, por exemplo, o caso da cobertura de danos pessoais causados por
veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas
ou não.
7.3.3
Seguro-Saúde
Há
duas modalidades de plano privado de assistência à saúde. A primeira é a
contratada com operadora de plano de assistência à saúde que presta,
diretamente ou por terceiros, serviços médico-hospitalares ou odontológicos aos
seus consumidores. A segunda é o seguro-saúde, em que a operadora não presta
serviços desta natureza aos seus consumidores, mas, como seguradora,
oferece-lhes a garantia contra riscos associados à saúde.
Nas
duas modalidades, a operadora deve administrar empresarialmente os recursos de
que têm a disponibilidade com vistas a manter-se em condições econômicas,
financeiras e patrimoniais aptas ao pleno atendimento das obrigações contraídas
perante os consumidores. Por esta razão, a exploração dessa atividade
empresarial — plano de assistência à saúde — é fiscalizada pelo governo,
através de uma autarquia especializada, a Agência Nacional de Saúde — ANS (Lei
n. 9.565/98).
O
seguro-saúde só pode ser oferecido por seguradoras especializadas nesse tipo de
contrato. Quer dizer, o objeto da seguradora deve ser exclusivamente a
exploração de seguro-saúde.
Ela
pode pertencer a grupo de empresas voltadas à exploração da atividade
securitária em outros ramos (automóveis, responsabilidade civil, vida etc), mas
deve ser uma sociedade empresária autônoma, revestida da forma de sociedade
anônima. Esta exigência visa facilitar a fiscalização da atividade (Lei n.
10.185/2001). Como mencionado acima, as seguradoras especializadas em
seguro-saúde não estão sujeitas à SUSEP, mas sim à ANS.
7.3.4
Seguros Empresariais
Insta
salientar, também, quanto ao regime jurídico aplicável, que o seguro pode ser
civil ou empresarial, sendo que, no que se refere a este último, o segurado é
empresário e a garantia um insumo da empresa; ausente qualquer desses
elementos, é civil o seguro.
Aplica-se
o Código de Defesa do Consumidor aos seguros civis, porque se configura entre
as partes uma relação de consumo. No seguro empresarial, o CDC só se aplica em
favor do segurado se demonstrada sua vulnerabilidade em face da seguradora.
Os
principais seguros empresariais, todos de dano, são o seguro agrícola, o de
crédito, o de responsabilidade civil e o de transportes.
CONCLUSÃO
Após
uma extensa análise dos diversos contratos mercantis, apesar de ser necessário
fazer menção ao fato dessas não serem as únicas modalidades, havendo tantas
outras quanto as necessidades empresariais pedirem, bem como as vontades das
partes entenderem por conveniente negociar, pode-se concluir acerca da
proximidade e fonte constante, em que o direito comercial, ou empresarial,
sempre vai beber de suas disposições normativas, que é o Direito Civil.
Nessa
disciplina, em especial nas regras contratuais gerais previstas no CC/02, que
serão sempre um norte a todos os negócios jurídicos aqui trabalhados, no que
tange as partes e ao objeto, v.g, assim como quanto ao
princípio gerais como a boa-fé, a proibição de enriquecimento sem causa, enfim,
as normas civilistas mais uma vez se mostram como “norma hipotética geral” dos
direitos privados (fazendo alusão a teoria kelseniana, apesar de desvirtuá-la,
devendo entender tal comparativo num contexto de norma-origem, principiológica,
básica, e não superior a todos os outros ramos do direito privado).
Assim,
as relações negociais se caracterizam por mercantis, quando envolvem
empresários como seus sujeitos, devendo lembrar-se, também, a importância das
normas consumeristas nessas relações, caracterizadas quando, nos contratos
mercantis, as condições de seus contratantes manifestarem-se de modo desigual,
no que tange aos aspectos materiais, surgindo conceitos como a vulnerabilidade,
em caso de dúvida a interpretação deve ser a mais benéfica ao contratante em
situação mais desfavorável, dentre outros.
Saliente-se,
também, que o Código Comercial trata apenas do seguro marítimo, o contrato de
seguro terrestre é aquele regulado pelo CC/02 e pelo Decreto-lei
supramencionado, não deixando de destacar que existem, ainda, os seguros
aeronáuticos. Nessa espécie de contrato mercantil há um grande controle estatal,
através de normas regulamentadoras específicas, bem como um Sistema Nacional de
Seguro Privado, devido a importância econômica de tal atividade.
Dessa
extensa regulamentação e controle por um Sistema Nacional, infere-se, ainda, a
importância do CDC e seus princípios, uma vez que há uma flagrante natureza de
contrato de adesão, devido a circunstância de serem negócios jurídicos,
verificáveis nas relações em massa, necessitando uma generalização de suas
cláusulas.
Por
fim, os contratos mercantis são instrumentos externalizadores das relações
empresariais, que, num contexto de globalização, assumem contornos mais
informais, de acordos de vontades, a fim de dar a dinamicidade que se faz
necessária. Entretanto, sempre se poderá recorrer ao Judiciário, quando
verificadas cláusulas abusivas em circunstâncias de vulnerabilidade entre as
partes, ou quando do descumprimento de suas disposições, por exemplo,
ressaltando que tal direito é, inclusive, garantia constitucional, previsto em
nossa Lex Maior.
Referências
BARROS, Ana Lucia Porto et
alli. O Novo Código Civil: Comentado. vol. 1,
2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2002.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Banco Central do Brasil, Brasília/DF, maio 2008. Disponível
em: http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/leasing.asp. Acesso em: 20 fev.
2009.
BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1995.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 1, 10ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
________. Manual de Direito Comercial: Direito
de Empresa. 18ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Saraiva, 2007.
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Contratos
bancários: conceito, classificação e características. Jus Navigandi,
Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3262>. Acesso em: 24 fev.
2009.
DUQUE, Bruna Lyra. Uma proposta de
classificação para as formas de extinção dos contratos . Jus Navigandi,
Teresina, ano 11, n. 1473, 14 jul. 2007. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10154>. Acesso em: 23 fev.
2009.
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. São Paulo: Atlas, 2000.
GOMES, Fábio Bellote. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Manole, 2003.
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor Lei n.8.078, de 11.9.1990. 4ª ed. São
Paulo: LTR, 1999
SMITT, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Notas:
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito
de Empresa. 18ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Editora Saraiva, 2007.
[2] Adam Smith visualiza três recursos de
produção: a terra, o trabalho e o capital. Hodiernamente, trabalha-se, ainda,
com o conceito de Organização, cuja finalidade seria explicar o fenômeno da
acumulação do capital, a qual se subdividiria em recursos mercadológicos, ou marketing, e
recursos administrativos. Ulhoa (idem) denomina o quarto fator de
produção como “tecnologia”, o que se pode vincular ao capital intelectual, ou
cultural, adquirido e acumulado por certos indivíduos, o qual se transforma em
conhecimento, remetendo à teoria difundida por Pierre Bourdieu, em seu livro “O
poder Simbólico”.
[7] Destaque-se que existe o jus cogens, ou
normas de direito cogentes, que devem ser observadas pelas partes, a fim de que
seus pactos tenham validade e respaldo no meio jurídico. Logo, independente da
verificação de qualquer mudança, ou não, no cenário econômico, que venha a
atingir os negócios jurídicos, serão tuteladas pela esfera pública as
disposições que respeitem as normas gerais imperativas previstas nas regras de
direito público nacionais.
[8] Faz-se mister chamar a
atenção para o fato de que as relações aqui apresentadas, devem ter como
características a bilateralidade nas obrigações e direitos auferidos, uma vez
que nos contratos aleatórios, v.g., há uma presunção de que se
assumiu o risco das mudanças, não havendo um equilíbrio entre os benefícios e
os deveres.
[11] DUQUE, Bruna Lyra. Uma proposta de
classificação para as formas de extinção dos contratos . Jus Navigandi,
Teresina, ano 11, n. 1473, 14 jul. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10154>.
Acesso em: 23 fev. 2009.
[13] BARROS, Ana Lucia Porto et
alli. O Novo Código Civil: Comentado. vol. 1. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos Editora,2002, p.105.
[15] Ressalte-se, entretanto, comentários do
próximo subitem, “especificidades da compra e venda mercantil”.
[23] Apud DALLAGNOL, Deltan
Martinazzo. Contratos bancários: conceito, classificação e características. Jus Navigandi,
Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3262>. Acesso em: 24 fev.
2009.
[28] Orlando Gomes, Alienação fiduciária em
garantia, apud Waldirio Bulgarelli, Contratos mercantis, p. 307.
[31] BRASIL. Ministério da Fazenda. Banco Central do Brasil, Brasília/DF, maio 2008. Disponível
em: http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/leasing.asp. Acesso em: 20 fev.
2009.
[38] Remetendo, mais uma vez, à teoria difundida
por Pierre Bourdieu, em seu livro “O Poder Simbólico”.
[43] Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo (SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor Lei n.8.078, de 11.9.1990. 4ª ed. São
Paulo: LTR, 1999).
[44] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 1, 10ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pp.
153-4.
[45] BARROS, Ana Lucia Porto et
alli. O Novo Código Civil: Comentado. vol. 2. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2002, p. 604.
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