Uma pessoa só pode se considerar um negociador de
alto nível se for capaz de identificar e se sair bem diante das táticas e
artimanhas empregadas por quem só quer levar vantagem. Assim, é básico conhecer
todos os artifícios utilizados e ter consciência de que quem só quer levar
vantagem adota dois princípios básicos. O primeiro, uma frase de Ashleigh
Brilliant, "Eu sempre ganho, você sempre perde. Não há nada mais juntos do
que isto". O segundo é a 1ª. Lei de Roger que é: "jamais pecar contra
o décimo primeiro mandamento, que é não ser pego". Isto significa que
quando alguém que só quer levar vantagem diz que uma negociação foi ganha/ganha
é porque ganhou em dobro. Portanto, em termos práticos, é preciso ter cuidado
com o que é denominado como "falso ganha/ganha", em que uma pessoa
perdeu, mas saiu acreditando que o acordo foi um verdadeiro ganha/ganha. É por
isto que, nos meus cursos de negociação, eu só falo de ganha/ganha depois de
ter apresentado as duas categorias básicas de táticas utilizadas por quem só
quer levar vantagem, que são as falcatruas e as táticas de fragilização do
estado mental e emocional.
Vamos apresentar dez destas táticas, alertando que o repertório que pode ser utilizado é bastante extenso.
1-O falso acordo
Em 1938, Neville de Chamberlain, então primeiro ministro do Reino Unido,
chegou a Londres, voltando de Munique, exibindo um acordo que havia feito com
Hitler, sobre a questão dos Sudetos da Tchecoslováquia. Este acordo concedia à
Alemanha a região dos Sudetos, que Hitler alegava ser um território que havida
sido tomado da Alemanha. Em troca, Hitler garantia que não tinha nenhuma outra
pretensão territorial e que, portanto, a paz na Europa, que Chamberlain tanto
almejava, estava garantida. Mas o que aconteceu é que, menos de um ano depois,
a Alemanha invadiu a Polônia. Portanto, o acordo que Hitler assinou, e que
Chamberlain mostrou como sendo um êxito da sua negociação, não valida nada.
O que é inacreditável, nesta negociação, foi o número de erros cometidos
por Chamberlain em todas as etapas do processo de negociação, a começar pela
péssima preparação. Mas, o pior de todos, foi não ter levando em conta que a
negociação não acaba quando o acordo é firmado, mas sim quando é cumprido, e
que se o transgressor não puder ser punido, o acordo não vale nada. De qualquer
forma, é sempre bom lembrar que é assim que se compra gato por lebre.
2-Surpresa final
Uma equipe de vendedores brasileiros estava negociando com compradores
estrangeiros que falavam um idioma bastante difícil. Depois de vários dias de
negociação, os compradores informaram que aceitavam as condições a que se havia
chegado e que, portanto, os termos do acordo estavam definidos. Assim sendo,
marcaram uma reunião tão somente para formalizar o que havia sido acordado.
Quando os vendedores chegaram para a reunião, veio a surpresa. Os compradores
alegaram que haviam estudado melhor a questão e que só fechariam a compra caso
os vendedores concedessem um desconto de mais trinta por cento.
3-A falsa negociação
Um executivo foi procurado por um headhunter, com uma proposta
irrecusável, para ocupar alto cargo em outra empresa. Na reunião de negociação,
para definir as condições de admissão, notou que eram feitas muitas perguntas
que não tinham nada a ver com as suas competências e os termos do contrato, mas
com estratégias e procedimentos da empresa em que trabalhava. O que aconteceu
depois é que não foi chamado para ocupar o cargo e o pretenso headhunter sumiu.
Esta foi tão somente uma tática usada por um concorrente para obter informações
sobre estratégias e procedimentos da atual empresa do executivo.
4-Ameaça e intimidação
Um vendedor ia participar de uma licitação, para informatização
hospitalar, com uma proposta extremamente competitiva. Antes da reunião para
apresentação das propostas recebeu uma ligação telefônica em que a pessoa
mostrava conhecer inúmeras informações sobre sua vida pessoal, como a escola de
seus filhos e local de trabalho da esposa. A intimidação foi: ou você se retira
do processo de licitação ou você não sabe o que vai acontecer com seus
familiares.
5-Mocinho e bandido
É uma tática bastante conhecida, mas ainda empregada e, por incrível que
possa parecer, com sucesso. Na realidade, são dois bandidos, mas só que um se
apresenta sob a capa de bom moço. Uma variante de mocinho/bandido é a do sócio
invisível. Quem negocia é uma ótima pessoa, mas ela tem um sócio que é
intransigente. E, este sócio intransigente é inacessível. Às vezes, este sócio
intransigente é uma norma ou um procedimento que não podem ser mudados.
6-O menosprezo
O objetivo do menosprezo é atingir o ego e a autoimagem da outra pessoa
e colocá-la num estado mental e emocional fraco de recursos. Um brasileiro foi
negociar na Inglaterra e a primeira coisa que o negociador inglês disse foi:
"Como é, ainda estão matando muito índio no Brasil?". A mensagem que
estava embutida na pergunta era: você é de um país inferior, logo você é inferior.
Existem muitas formas de menosprezo. Uma delas é jogar iscas com palavras
difíceis que a pessoa provavelmente não saiba o significado. E quando se
pergunta pelo significado daquela palavra, vem o menosprezo: "Como você
não sabe o que xyz significa. Qualquer idiota sabe o que xyz quer dizer".
7-Coitadinho
É uma tática para gerar sentimento de culpa no outro. Ela aparece sob a
forma de expressões como: "você está querendo arruinar a mim e minha
empresa. Pense no número de pessoas que vão ficar desempregadas e nas famílias
que não vão ter dinheiro para comprar alimento". Havia até uma empresa que
tinha um especialista em chorar. Sempre que era preciso o que diziam é: chama o
chorão que ele resolve. É por isto que há quem diga que quem tem pena do coitado
fica no lugar dele. Não faz muito tempo, uma televisão fez uma reportagem sobre
uma banca de jornal que vendia o "kit mendigo". E o mais incrível foi
um mendigo que, para "trabalhar", saiu de um Corolla.
8-Criação de dependência
É lançada uma isca, como por exemplo, um preço muito baixo para se
adquirir alguma coisa. Mas depois fica-se dependente da manutenção e de outras
coisas como peças de reposição e sobressalentes e é ai que vêm a exploração. A
isca para a dependência é sempre alguma coisa extremamente atraente e é baseada
na tomada de decisão com uma visão de curto prazo, sem que se vejam as
consequências negativas da decisão a médio e longo prazo.
9-Situação estressante
Consiste em criar uma situação para deixar o outro em estado mental e
emocional fraco de recursos. Existem inúmeras formas de ser feita, entre elas,
deixar o outro esperando por horas e horas, fazer reuniões desgastantes que não
acabam nunca, colocar a temperatura da sala num nível extremamente desagradável
- ou muito quente ou extremamente fria. O fato é que não existem limites para o
número destas táticas, a não ser o da imaginação de quem quer utilizá-las.
10-A falsa confiança
Uma pessoa, ou uma empresa, cria condições para que se acredite que seja
extremamente confiável. E, uma vez feito isto, vem o golpe. A questão da
confiança é bastante delicada pois, quem não confia de forma alguma, acaba não
negociado. Existem muitas táticas que são adotadas, sendo uma delas um golpe
chamado de "pato da arara". Um cliente novo, que não era conhecido,
negocia um pedido bastante bom, em condições que parecem bastante favoráveis.
Verifica-se o CGC e as empresas com quem opera. Checam-se as referências e
constata-se que não há títulos protestados. Só há pontos positivos. Melhor
impossível. Entretanto, na hora de receber o pagamento, quando do vencimento da
fatura, nada acontece. A empresa sumiu. Para dar este golpe uma quadrilha
compra uma empresa inativa, com folha limpa na praça, e aluga um escritório e
um galpão para servirem de fachada. A partir dai faz muitas encomendas. As
araras costumam bater asas entre 30 e 45 dias. Em geral, este golpe pega quem
não faz uma análise aprofundada das informações e não toma os cuidados
necessários para o caso de novos clientes, sobretudo, àqueles que fazem pedidos
muito generosos. Ou seja, quando a esmola é muita, o santo desconfia.
O que fazer diante de quem só quer levar vantagem?
Assim sendo, é fundamental que você conheça muito bem o repertório de
táticas e as variantes que são usadas por quem só quer levar vantagem. É
preciso saber analisar com profundidade toda a situação para saber se estamos
diante de uma ameaça ou se, apesar de tudo, estamos diante de uma grande
oportunidade. E, acima de tudo, não perder a cabeça, pois isto pode fazer parte
do jogo da outra pessoa, como fez o italiano Materazzi com o francês Zidane, na
Copa do Mundo de Futebol de 2006.
Tenha um procedimento baseado em três perguntas essenciais: 1) Nesta
situação existe uma oportunidade de atendimento dos meus interesses,
necessidades e expectativas? Se a resposta for não, retire-se da negociação. Se
a resposta for sim prossiga; 2) Posso aproveitar? Se a resposta for não
retire-se. Se a resposta for sim prossiga; 3) Como posso aproveitar? Se você
encontrar um procedimento adequado e seguro, prossiga. Caso contrário,
retire-se.
De qualquer forma, tenha presente que os bons negociadores estão
preparados para o que der e vier e tem como um princípio importante o que já
dizia Benjamim Franklin por volta de 1750: "Quem não leva a sério a
preparação de algo, está se preparando para o fracasso". Portanto, é
preciso saber que a preparação é fundamental, mas só isto não basta pois, acima
de tudo, é preciso saber muito bem como se preparar para se chegar à excelência
numa negociação. Foi para isto que criei várias tecnologias como a Matriz de
Preparação, um instrumento conceitual simples e poderoso, que mostra como se
faz uma análise de risco numa negociação e o MIN - Modelo Integrado de
Negociação, que dá uma visão global de todos os fatores que contribuem para o
sucesso de uma negociação. Tenha presente que uma das piores coisas que pode
acontecer é quando estamos negociando com uma pessoa extremamente competente e
desonesta. Assim sendo, esteja preparado para o que der e vier e considere que
mar tranquilo não faz bom marinheiro. Mais ainda: quem só sabe navegar em mar
de almirante, está fora do jogo.
José Augusto
Wanderley
Nenhum comentário:
Postar um comentário